27 outubro 2008

Hora da decisão

Faz três dias que não durmo mais do que quatro horas; algumas semanas que meu sono se dá da pior forma possível: pesadelos, suor, medo. A decisão que tanto posterguei precisava ser tomada. Ou melhor, a decisão há muito caladinha no meu peito, precisava ser verbalizada. 
E assim o fiz. Ontem (ou melhor, hoje) lá pelas duas da madrugada, comuniquei aos meus chefes que era hora de voltar para o Brasil.
A oferta foi sem dúvida uma honra. Mas, três principais motivos me chamaram de volta:

Minha brasilidade 

Trabalhar com o terceiro setor exige muito da pessoa e exige mais do que qualquer coisa, uma ligação com o público atendido. Esta ligação pressupõe, maioria das vezes, similaridades culturais, linguísticas, etc. E, principalmente, a vontade de se trabalhar mutuamente a alteridade. Eu acredito piamente que consegui cumprir a segunda porção e parte da primeira. Acredito que nesses meses que aqui estive, aprendi a entender Ghana e observar meus preconceitos e inaptidões frente a cultura africana. 
Me despi de muitos mitos e confirmei outros tantos. 
Mas, principalmente me vi como brasileira em terra estrangeira. 
Tão brasileira que só penso em continuar com meu percurso africano em minha própria terra. Faz sentido? Naveguei mares e cruzei céus para chegar ao meu próprio começo.

Saudades

A maior das dificuldades da vida estrangeira é a solidão. Uma solidão tremenda, em que o encontro com o Outro evidencia as falhas, anseios e angústias que tanto tentamos esconder. 
A vontade do pertencer, do entender e ser entendido aumenta muito. Ghana tem pessoas incríveis, tão incríveis quanto no Brasil. Mas, a diferença cultural - especialmente em cidades pequenas - e a barreira da língua são obstáculos difíceis de serem ultrapassados.
Acredito que eu consegui bem. Rompi com os limites da minha cor e fui vista como Julia e não mais como ievu. Pelo menos por algumas pessoas, pessoas que gosto e que se tornaram peças vitais da minha vida e sobrevivência de expatriada.
E, agora, depois de tanto tentando pertencer, deixo as conquistas para voltar ao berço. Parece loucura... ou no mínimo masoquista. Mas, não. Agora quero me reconstruir novamente em meu espaço, carregando comigo Ghana, as pessoas queridas, os outros ievus que conheci e mais do que tudo, minha solidão e o que aprendi com ela. 

Escolhas
Meu pai falava que durante a vida carregamos diversos "mortos". Cada escolha que fazemos são pequenas mortes que deixam para trás um mundo de possibilidades. 
A cada escolha, "matamos" outra oportunidade. Algo que poderia ter sido, algo que poderíamos ter escolhido.
Enfim, ... foi essa a premissa que me fez decidir. Qualquer que fosse minha decisão, haveria uma consequência... e ao final do dia, eu escolhi meu presente. O que eu quero para mim hoje, esquecendo o futuro, carreira, oportunidades. O que eu quero hoje é voltar.

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Comuniquei minha decisão e se for preciso, um dia, lamentarei mais esse "morto" em minha vida. 
Estou feliz e aliviada por finalmente ter tomado a coragem de enfrentar minha vontade e pautar minhas escolhas naquilo que quero.