14 agosto 2008

Educação?




Prometi inúmeras vezes postar com mais assiduidade, mas infelizmente promessas não são o meu forte....


Deixo as desculpas de lado e escrevo abaixo sobre, como prometido (ei!uma promessa que vou cumprir!) sobre a educação em Ghana.





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"Quando eu não acertava uma questão ou simplesmente quando olhava meio de lado para um professor, eu era sempre colocado no armário dos maus-alunos", me contou, assim como quem não quer nada, meu colega de trabalho, Courage Afashime.







"Mas, Courage. Como assim armário dos malvados", perguntei.





"Ah. Um armário bem pequeno e escuro onde éramos colocados", respondeu Courage.




"Eu me lembro bem desses armários. Se bem que o armário era melhor do que apanhar de vara da professora", riu Clara, outra amiga e colega do Lady Volta Resource Centre.




Foi esse diálogo de fim de tarde que me fez buscar mais informações e conversar com algumas pessoas sobre o sistema educacional em Ghana. Sem pretensões de exercer minha famigerada profissão de jornalista, embora tenha usado o recurso de entrevistas informais, escrevo sem nenhuma ordem específica, adequando a hierarquia de informações ou seguindo algum tipo de regra.


Comecei meu percurso com uma pesquisa no site do Google.uk, considerando que as informações apareceriam mais facilmente na rede britânica e, como dizem os que dizem, BATATA. Encontrei o que buscava.


Se comparado aos outros países da África ocidental (West Africa) e mais ainda das antigas colônias da Inglaterra, Ghana tornou-se independente do sistema britânico de educação relativamente cedo, logo com a Independência, em 1957. Durante o período colonial e até mesmo antes da chegada dos ingleses, o sistema escolar em Ghana começou com a presença de missionários e comerciantes europeus - seguindo o modelo ocidental de educação.



Foi nessa época que aconteceu o primeiro governo nacionalista, liderado pelo político Nkrumah, que desenvolveu um "plano básico", um norte para educação do país. Foi então implementada uma legislação bastante progressista para os padrões africanos - fazendo com que a educação primária fosse gratuita e compulsória.


Até então, as escolas eram geridas por grupos relifiosos ou pelas próprias lideranças comunitárias (chiefs e queen mothers - chefes e rainhas-mães). Em 1961, Ghana promulgou um segundo Ato Educacional que tornou o nível elementar (equivalente ao Ensino Fundamental) também gratuito e compulsório.

Em 1957, Ghana tinha somente uma universidade e cerca de uma dezena de escolas primárias. Nos anos 80 novas reformas fizeram com que a estrutura do sistema educacional ganense ficasse mais parecida com a do sitema norte-americano.


Hoje o sistema educacional em Ghana é bastante centralizado, sendo coordenado pelo Ministério da educação e seis agências regionais. O ingresso nas universidades se dá por um exame nacional, similar ao exame de final de curso dos Estados Unidos. Desde 1990, o governo exige que todas as instituições de ensino -das primárias às de educação superior - passem pelo crivo de uma acreditação nacional de qualidade.


No total, de acordo com o site do governo, Ghana tem 12.130 escolas primárias, 5.450 intermediárias e 503 do equivalente ao Ensino Médio. No Ensino Superior, são 21 instituições de treinamento (magistério, por exemplo), 18 técnicas e cinco universidades.


O outro lado


Feito este balanço histórico, escrevo agora sobre o que realmente acontece em termos educacionais - ou pelo menos como as pessoas que conheci e com quem convivo me descrevem as escolas e os problemas do sistema educacional.


"As escolas existem e estão super lotadas, porém uma imensa gama da população jovem não está nas salas de aula. O motivo? Dinheiro. Embora as taxas tenham sido abolidas, as famílias ainda são obrigadas a pagar pelos uniformes (obrigatórios), material escolar, comida e outros tantos valores que incluem desde taxas de limpeza até somas sem explicação ou origem", explicou SM, assistente social em Ho.


Segundo SM, a situação tende a se agravar ainda mais nas vilas e regiões do interior. "Aqui é comum ver as meninas aos 15 anos deixarem a escola. Ou é por falta de dinheiro ou é porque engravidaram", me explicou a professora Cecila S., da vila de Akpoefe, onde passei dois dias, realizando uma pesquisa sobre a juventude local.


A idade média para gravidez na adolescência em Ghana é 15 anos e em algumas regiões 17, números considerados baixos se comparados ao quadro geral do continente africano. "Sim estamos melhores que muitos outros países, mas isso não significa que esteja tudo bem e este é o maior problema dos nossos governantes. Para eles é fácil comparar com o resto e dizer que estamos avançando", explicou Cecila, repetindo em inglês o que nós brasileiros gostamos de chamar de "menos pior".


Em Akopefe, cerca de 20km de Ho, a escola primária e secundária é na verdade três salas de aula de compensado com terra batida. Há teto, mas não há luz e as paredes são apenas vigas esparsas para a sustentação da parede onde está a lousa. A estrutura lembra muito as "escolas de lata" de um famigerado prefeito paulista. Porém, e aqui grifo o verbo, ouso dizer que são piores.


Em Ho propriamente a estrutura dos prédios são ligeiramente melhores, mas na grande maioria também não há luz elétrica - com a desculpa de que apenas funcionam de dia. "Nas que oferecem curso noturno tem luz sim", comentou um dos meus alunos aqui no centro.


Além da falta de estrutura, novamente existem outros paralelos com o Brasil: baixíssima remuneração de docentes, má qualidade de ensino e a famosa superlotação das salas de aula.


Mas, na minha opinião, há ainda um ponto de extrema relevância, infelizmente negativa. Em Ghana há uma autorização geral em atos violentos contra crianças - bater é comum e constante em todas as instâncias sociais - em casa, no bairro, na escola e até nas ruas. Como as crianças são criadas coletivamente, qualquer um pode "disciplinar" uma criança na rua.


Nas escolas isso é reenforçado. Canhotos não são permitidos. Questões? Para quê perguntar? Quem pergunta é desobediente e apanha. Quem não entrega a tarefa porque estava ajudando os pais na lavoura, apanha também.


Porém, de uma forma igualmente maluca, não há a menor ordem, especialmente nas vilas do interior em que estive. As crianças entram e saem da sala quando bem entendem, mesmo que o ato seja também repreendido com cascudos, armários, etc. Não há medo de apanhar - apanhar é rotina.


É claro que tracei um perfil do que vi e, como estrangeira me acostumando com outra cultura, evidencio ou sou tragada pelas diferenças ou pelo que me chama mais atenção. Sei que o Brasil não está muito longe disso, mas novamente, tenho meu olhar criado pela elite paulistana...meus óculos são outros. Não posso negá-los.

Existem, no meio de tanto a percorrer, professores exepcionais que sim, assim como os nossos, fazem das tripas coração para ensinar e ensinar de verdade - sem cascudos ou armários.





escola em Ho
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